domingo, 22 de julho de 2012

Raiva com açúcar

Eu estava me sentindo esgotada emocionalmente, por motivos que não vêm ao caso, e resolvi procurar um ou uma psiquiatra. Quando pensava se deveria ser homem ou mulher, nunca chegava a nenhuma conclusão. Apesar de respeitar mais as mulheres, tenho curiosidade pela abordagem masculina, etc, etc. Acabei optando por um nome sugerido por uma grande amiga; um psiquiatra.

Entre decidir, ligar, marcar e ir demorou, sei lá, uns dez dias. Neste meio-tempo acabei trocando para uma psiquiatra. O médico só tinha hora em agosto – a minha era dia seis – mas eu não queria esperar até lá; queria ir logo. Liguei e remarquei, desta vez com a colega do cara.

Já no início achei estranho; pagamento antes da consulta cobrado com... firmeza. Expliquei que não sabia que teria que pagar na hora; tinha saído atrasada do trabalho e não tinha tido tempo de pegar dinheiro e também estava sem cheque, mas que pagaria na próxima vez. A recepcionista me respondeu que este não era o sistema do consultório, mas que ela ia ver com a médica se ela aceitava me atender mesmo assim. Quando ela se levantou para falar com a psiquiatra, eu disse que tudo bem, se ela não me atendesse eu poderia ou não voltar outro dia e provavelmente não voltaria.

Ela aceitou me atender e eu fui direto ao assunto; aquele que não vem ao caso. A consulta foi longa, quase duas horas. Acho que eu falei 90% do tempo e a médica (e eu também) se convenceu que eu tinha um transtorno de comportamento diagnosticado como raiva. Para acabar com a raiva, me receitou um remédio que, segundo ela, em quatro dias já me deixaria mais calma. Achei uma maravilha. Apenas mais quatro dias de raiva. Era tudo que eu sonhava ouvir.

Depois de tomar dois dias de remédio estou tentando me controlar para não direcionar a raiva para a psiquiatra. Fiquei horrível; com uma bola no estômago, uma faca na cabeça, fraca, sem fome e lerda. Que merda! Não vou conseguir chegar ao quarto dia para ver se a raiva vai desaparecer. Vou me consolar comigo e com a minha raiva e fazer deste limão uma limonada. Um pouquinho de açúcar vai ajudar.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Faxina


Entre tantos péssimos hábitos, Joana tem a mania de guardar lixo, de todos os tipos, mas, ultimamente, os materiais têm dado mais trabalho. Depois de quase três anos acumulando papel, revista, jornal, comprovante de pagamento, comprovante de débito, atirando tudo em várias gavetas pela casa, Joana resolveu se livrar de parte da tralha. É preciso paciência. Sempre.

Há mais de um mês a faxineira de Joana não aparece; talvez tenha tirado férias, ela cogita. Mas o fato é que, desde que a moça sumiu, minha amiga passa o dia limpando e arrumando a casa e a coisa não acaba nunca. Joana nunca teve intimidade com baldes e vassouras. Avental? Só se for sem calcinha, ela fantasia.

Ela descobriu que uma cervejinha ajuda a limpeza a fluir. Sem música, nem pensar em começar a tirar o pó. A trilha do dia foi Chico Buarque, Bob Dylan, encerrando com o show do Nei Lisboa. Ela não quis arriscar; amanhã tem mais.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Cabeça e bunda


Com medo e com alívio. Este tem sido o estado de ânimo de Bruna nos últimos tempos. Ela tem medo de não conseguir dar conta de tudo e se sente exigida fisicamente, emocionalmente e mentalmente; mas a sensação de missão cumprida, no fim da tarde, precede aquele alívio tranqüilizador; hoje ela não elouqueceu.

Bruna passou a vida se convencendo que poderia enfrentar o pior – e tem conseguido. No inverno, é verdade, ela tem mais dificuldade. O inverno aguça a insatisfação de Bruna com as dores do mundo e este frio, em pleno outubro, deixa minha amiga com vontade de ceder.

Hoje ela foi salva pelo feriado de amanhã. Três dias em casa funcionarão como um prozac ou qualquer outra pílula da felicidade que aumente seu tônus psíquico. O tônus muscular ela cuida na academia, mas, neste momento, minha amiga tá precisando mais de cabeça do que de bunda.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Aquarianos


É fácil a gente encontrar pessoas que não confiam na astrologia e simplesmente ignoram o assunto e também aqueles que não acreditam, mas não dispensam aquela olhadinha básica no horóscopo diário; afinal, a esperança é a última que morre e esta é a verdadeira religião que movimenta a humanidade.

Há dois dias o horóscopo de Cristina insiste em alertar para a estranheza do momento, onde nada mudou, mas ela se transformou. Parece que o Oscar Quiroga escreveu pra ela. Cristina também teve esta sensação – a de que o astrólogo estava mandando uma mensagem direta – quando ele disse que os aquarianos estavam convivendo com uma “normalidade não familiar”.

Hora de adaptação. Felizmente, entre as características dos aquarianos está o bom relacionamento com mudanças bruscas. Aquarianos são um misto de otimistas, ingênuos e descrentes, ou seja, estão preparados para qualquer coisa.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Insetos


Oito horas da manhã de sábado e Frances já tomou uma xícara gigante de café, deu uns pegas e gostaria de fumar seu primeiro cigarro. O dia promete.

Na televisão, um programa sobre a vida dos insetos, o tipo do assunto que Frances não tem o menor interesse, pelo menos do ponto de vista biológico. Mas ela tem interesse sobre os motivos que levam as pessoas a usarem seu valioso tempo estudando ... (?) insetos e também pela simbiose pessoas ... (?) insetos. E Frances não está falando de joaninhas.

Frances muda de canal e o assunto do documentário é bem mais instigante: a dignidade diante da morte. Seja lá o que isto significa, deve ser diferente da morte de insetos, que não significa nada. Para Frances, pelo menos, nem a vida deles significa alguma coisa.

Frances sucumbe ao cigarro e, como de costume, apenas três tragadas bastam. Ela apaga o cigarro praticamente intocado e lembra como as pessoas esmagam os insetos. É nojento, mas ela fica satisfeita cada vez que elimina um deles. Às vezes eles escapam, mas estes também vão ser esmigalhados logo ali na frente.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Joana e Amy


Por uma destas coincidências da vida, Joana estava em Santa Teresa, no Rio, quando ficou sabendo da morte de Amy Winehouse, bem perto do hotel onde Amy se hospedou quando passou uma semana no Brasil, no início deste ano. Mesmo sabendo que uma coisa não tem nada a ver com a outra, Joana acabou se sentindo mais próxima da guria inglesa que preferiu morrer.

Joana entende os suicidas, pelo menos aqueles que não têm filhos. Esta aparente explosão de coragem e covardia, este aparente desapego da vida, a vontade de mandar todo mundo tomar no cú levada às últimas conseqüências; desaparecer para sempre. Joana não tem vontade de morrer, mas respeita aqueles que têm. Viver dá trabalho e manter a sanidade, seja lá o que isso for, é mais difícil ainda.

Joana é uma daquelas pessoas privilegiadas que estava no primeiro show da Amy no Brasil. A mídia global diz que foi o melhor, que nos outros ela errou a letra e deixou o palco cedo demais. Para Joana, foi um dos melhores shows da sua vida e continuaria sendo se a artista caísse no chão. O sofrimento dela era parte do show, assim como a voz, o cabelo, as tatuagens, tudo exposto sem meio-termo.

Joana entende os suicidas, mas acha que as vezes eles se precipitam; afinal, a vida pode ganhar uma segunda, terceira ou quarta chances. Aos 27, talvez Amy ainda não tivesse percebido esta possibilidade.

A foto é de uma amiga de Joana, que chegou em Londres no dia da morte da Amy.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Catarse


Ela aproveita que está sozinha em casa, meio alterada, abre o computador e pensa na semana, difícil como sempre, mas mais fácil perto do que poderia ter sido. Ela acaba de voltar de um encontro com amigos para sempre e, talvez por isto, se sente feliz e melancólica ao mesmo tempo. Com medo e com coragem.

Tudo o que Lorena queria agora é um cigarro; acende e fuma com prazer. Na noite passada, ela esteve perto de uma viagem astral ou crise de pânico, depende do ponto de vista. Mas era como se Lorena estivesse se enxergando de fora, como se fosse outra pessoa, como se estivesse provocando a sede até não aguentar mais. Ela agüentou, mas em algum momento duvidou se seria capaz. E chegou a pensar no que aconteceria se ela, mesmo de fora, não conseguisse controlar a si mesma.

Ela acordou exausta, sentindo no corpo o esforço psíquico da catarse. Curiosa, bota catarse no Google e fica sabendo que, para Aristóteles, esta descarga emocional “refere-se à purificação das almas, provocada por um drama”. Lorena fica impressionada por este conceito ser de 300 AC. Logo ela, que não acredita que este tempo existiu.