quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Cabeça e bunda


Com medo e com alívio. Este tem sido o estado de ânimo de Bruna nos últimos tempos. Ela tem medo de não conseguir dar conta de tudo e se sente exigida fisicamente, emocionalmente e mentalmente; mas a sensação de missão cumprida, no fim da tarde, precede aquele alívio tranqüilizador; hoje ela não elouqueceu.

Bruna passou a vida se convencendo que poderia enfrentar o pior – e tem conseguido. No inverno, é verdade, ela tem mais dificuldade. O inverno aguça a insatisfação de Bruna com as dores do mundo e este frio, em pleno outubro, deixa minha amiga com vontade de ceder.

Hoje ela foi salva pelo feriado de amanhã. Três dias em casa funcionarão como um prozac ou qualquer outra pílula da felicidade que aumente seu tônus psíquico. O tônus muscular ela cuida na academia, mas, neste momento, minha amiga tá precisando mais de cabeça do que de bunda.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Aquarianos


É fácil a gente encontrar pessoas que não confiam na astrologia e simplesmente ignoram o assunto e também aqueles que não acreditam, mas não dispensam aquela olhadinha básica no horóscopo diário; afinal, a esperança é a última que morre e esta é a verdadeira religião que movimenta a humanidade.

Há dois dias o horóscopo de Cristina insiste em alertar para a estranheza do momento, onde nada mudou, mas ela se transformou. Parece que o Oscar Quiroga escreveu pra ela. Cristina também teve esta sensação – a de que o astrólogo estava mandando uma mensagem direta – quando ele disse que os aquarianos estavam convivendo com uma “normalidade não familiar”.

Hora de adaptação. Felizmente, entre as características dos aquarianos está o bom relacionamento com mudanças bruscas. Aquarianos são um misto de otimistas, ingênuos e descrentes, ou seja, estão preparados para qualquer coisa.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Insetos


Oito horas da manhã de sábado e Frances já tomou uma xícara gigante de café, deu uns pegas e gostaria de fumar seu primeiro cigarro. O dia promete.

Na televisão, um programa sobre a vida dos insetos, o tipo do assunto que Frances não tem o menor interesse, pelo menos do ponto de vista biológico. Mas ela tem interesse sobre os motivos que levam as pessoas a usarem seu valioso tempo estudando ... (?) insetos e também pela simbiose pessoas ... (?) insetos. E Frances não está falando de joaninhas.

Frances muda de canal e o assunto do documentário é bem mais instigante: a dignidade diante da morte. Seja lá o que isto significa, deve ser diferente da morte de insetos, que não significa nada. Para Frances, pelo menos, nem a vida deles significa alguma coisa.

Frances sucumbe ao cigarro e, como de costume, apenas três tragadas bastam. Ela apaga o cigarro praticamente intocado e lembra como as pessoas esmagam os insetos. É nojento, mas ela fica satisfeita cada vez que elimina um deles. Às vezes eles escapam, mas estes também vão ser esmigalhados logo ali na frente.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Joana e Amy


Por uma destas coincidências da vida, Joana estava em Santa Teresa, no Rio, quando ficou sabendo da morte de Amy Winehouse, bem perto do hotel onde Amy se hospedou quando passou uma semana no Brasil, no início deste ano. Mesmo sabendo que uma coisa não tem nada a ver com a outra, Joana acabou se sentindo mais próxima da guria inglesa que preferiu morrer.

Joana entende os suicidas, pelo menos aqueles que não têm filhos. Esta aparente explosão de coragem e covardia, este aparente desapego da vida, a vontade de mandar todo mundo tomar no cú levada às últimas conseqüências; desaparecer para sempre. Joana não tem vontade de morrer, mas respeita aqueles que têm. Viver dá trabalho e manter a sanidade, seja lá o que isso for, é mais difícil ainda.

Joana é uma daquelas pessoas privilegiadas que estava no primeiro show da Amy no Brasil. A mídia global diz que foi o melhor, que nos outros ela errou a letra e deixou o palco cedo demais. Para Joana, foi um dos melhores shows da sua vida e continuaria sendo se a artista caísse no chão. O sofrimento dela era parte do show, assim como a voz, o cabelo, as tatuagens, tudo exposto sem meio-termo.

Joana entende os suicidas, mas acha que as vezes eles se precipitam; afinal, a vida pode ganhar uma segunda, terceira ou quarta chances. Aos 27, talvez Amy ainda não tivesse percebido esta possibilidade.

A foto é de uma amiga de Joana, que chegou em Londres no dia da morte da Amy.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Catarse


Ela aproveita que está sozinha em casa, meio alterada, abre o computador e pensa na semana, difícil como sempre, mas mais fácil perto do que poderia ter sido. Ela acaba de voltar de um encontro com amigos para sempre e, talvez por isto, se sente feliz e melancólica ao mesmo tempo. Com medo e com coragem.

Tudo o que Lorena queria agora é um cigarro; acende e fuma com prazer. Na noite passada, ela esteve perto de uma viagem astral ou crise de pânico, depende do ponto de vista. Mas era como se Lorena estivesse se enxergando de fora, como se fosse outra pessoa, como se estivesse provocando a sede até não aguentar mais. Ela agüentou, mas em algum momento duvidou se seria capaz. E chegou a pensar no que aconteceria se ela, mesmo de fora, não conseguisse controlar a si mesma.

Ela acordou exausta, sentindo no corpo o esforço psíquico da catarse. Curiosa, bota catarse no Google e fica sabendo que, para Aristóteles, esta descarga emocional “refere-se à purificação das almas, provocada por um drama”. Lorena fica impressionada por este conceito ser de 300 AC. Logo ela, que não acredita que este tempo existiu.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Sempre


Parecia que esta sexta-feira não ia chegar nunca, mas, finalmente, Ivana agora está em casa, quarto quente, cama e corpo também.

Semana arrastada, que a boa fase emocional de Ivana ajudou a encarar. Ela teve que enfrentar assédio moral de um chefe, exames médicos invasivos, a brigada militar na porta da sua casa e, quando nada poderia ser pior, a faxineira não apareceu nem ligou.

Sem alternativa mais eficaz e menos indolor, Ivana ligou o botão do foda-se e foi em frente, abrindo caminho entre os problemas, se impondo sobre as adversidades. Maluquez e lucidez disputando espaço. Como sempre.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Analógicos


Dia dos namorados chegando e Laís resolve se animar; hoje comprou uma langerie que ficou tão linda que minha amiga acha que terá um efeito erótico maior sobre ela do que sobre o namorado. Ele não liga muito pra estas coisas, ela também não, mas resolveu entrar na onda e dar a famosa apimentada na relação.

Pergunto se Laís tá passando por alguma crise sexual com o namorado, ela responde que não, que só quer se divertir e a mini calcinha é só um plus a mais que jamais substituiria a champanhe, esta sim fundamental.

Praticante assumida do sexo analógico, Laís me conta que tirou uma foto vestida com a calcinha e mandou um torpedo para o namorado, que está viajando. Está orgulhosa do seu avanço no mundo do cibersexo, mas muito mais feliz com o trabalho do seu personal trainer, que levou a sério sua súplica de prioridade absoluta à bunda. Sem ele, não teria calcinha, foto, nem bunda. Ainda bem que nenhum dos dois liga muito pra estas coisas.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Mesmo que mude...



Este ano, Renata acha que vai conseguir enfrentar o inverno sem brigar tanto com o frio. O ano passado foi muito difícil; a coisa já tava complicada e a umidade não ajudou em nada. Se pudesse escolher, Renata nunca sofreria no inverno. Sofrer na frente do mar é bem melhor do que meio do vento, da chuva e do cinza.

Renata não gosta do inverno. Seus filhos nasceram no verão, sua mãe e seu pai morreram no inverno. É a primeira vez que ela faz esta associação. Ela lembra bem o frio que estava fazendo nas duas vezes e talvez tenha iníciado aí sua intolerância a temperaturas inferiores a 20º.

Renata acha geada a coisa mais desagradável do mundo, mas não sai de Porto Alegre, aliás, não sai nem das imediações do bairro onde nasceu. O espírito criativo-nervoso de Renata frequentemente é vencido pelo conservadorismo e mudanças são adiadas, abortadas ou esquecidas. Falta de coragem ou instinto de sobrevivência? Um medo saudável do desconhecido ou uma covardia diante do novo? Renata não faz questão de encontrar respostas, mas acha que lutar contra as vantagens da estabilidade é tão sem sentido quanto lutar contra o frio.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

dolce far niente


Na falta de uma cerveja sem álcool, Ângela toma uma Polar sem reclamar, sozinha em casa, coisa rara, tomar uma cerveja sozinha em casa, na cama, ar-condicionado ligado e tudo o que ela precisa por perto. Vida boa, ela agradece ao mundo e ao antidepressivo.

Ângela vive uma tranqüilidade atípica. Tá certo que isto deve fazer uma semana, ou menos, e amanhã alguma coisa pode desabar. Ela tem pouca experiência com a serenidade, mas treinamento de guerra para sobreviver em terremotos. Ângela se educou para enfrentar o pior e sempre desconfiou de alegrias inexplicáveis. Ser feliz é coisa de burro, dizem os desesperançados mais convictos.

Apesar de simpatizar com o sentido da frase, Ângela decretou moratória dos questionamentos existenciais. Pensar menos é mais simples; envolve menos sentimento. Há dias seu sismógrafo interno não registra nenhuma alteração. Melhor evitar qualquer provocação.

domingo, 1 de maio de 2011

Coragem



É tarde e Kátia já deveria estar dormindo. Amanhã o dia vai ser pra lá de puxado e, provavelmente, ela vai sentir os excessos de hoje. Um amigo usa uma expressão precisa pra descrever o ânimo de Kátia quando bate o cansaço; segundo ele, o superego cansa primeiro e ela começa a ficar perigosa. E amanhã o superego vai ter que estar 100%.

Ela não se acha uma mulher perigosa, mas até entende que outros superestimem sua periculosidade num primeiro momento. Depois sempre fica claro que Kátia não pretende incomodar ninguém desde que, é óbvio, não seja incomodada também. Várias vezes esta regra é quebrada e Kátia, mesmo provocada, fica na dela e consente. Poucas vezes ela parte para o ataque ou o para o revide. Mesmo assim, minha amiga carrega a fama de intransigente. Não basta se submeter quase sempre; a obediência tem que ser total.

Durante sua vida, Kátia elegeu um grupo de princípios dos quais ela não tinha disposição de transigir. Verdade seja dita, a lista já diminui bastante. Um dos poucos que restou foi a coragem, que, intuitiva, foi transformada em dever existencial. Kátia foi uma criança corajosa, uma jovem corajosa e não admite se tornar uma velha covarde. Uma certa coerência ela ainda gosta de guardar.

a foto é de um cartaz de 1982, da campanha a vereador do zezinho e foi tirada há umas duas semanas em Pelotas, num seminário sobre o movimento estudantil.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Bola rolando


Entre lavar a louça suja, guardar as roupas atiradas por todo quarto, procurar recibos para o imposto de renda, botar roupa na máquina, recolher a roupa seca, e mais uma lista interminável de serviços domésticos pela frente, Liana resolve não fazer nada, pelo menos de imediato. É raro ela estar em casa nesta hora, mas hoje chegou cedo, com planos de cumprir algumas tarefas que ela sempre adia. Parece que, mais uma vez, tudo vai ficar pra amanhã.

Liana tinha pensado em sair com Mauro, mas tem jogo e o cara, a esta hora, deve estar na frente da televisão vendo o time, até agora, perder. Eles deixaram o encontro pra amanhã; bah, a faxina vai ter que ficar para depois de amanhã. Melhor trocar; faxinar amanhã e encontar com Mauro depois de amanhã.

Liana liga a TV e vê que o jogo tá uma merda. Os jogadores não têm a opção de parar a partida e continuar amanhã. Mauro e Liana tiveram esta possibilidade, mas a vitória também não está assegurada. O time vai ter que se puxar!

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Dualidades


Alice nunca imaginou por veneno na vagina pra matar um homem, mas já teve vontade de eliminar uns dois ou três. Dois, ela tem certeza. O primeiro, lá atrás, dizia que ela era uma fracassada e estava condenada ao limbo. O outro, bah, do outro ela não quer nem falar. O ódio passou, mas o nojo permaneceu.

Quando leu que uma mulher se lambuzou (polvilhou?) com veneno antes de induzir aquele que ela desejava morto a chupá-la, a primeira reação de Alice foi pensar – que moça criativa; logo depois, o raciocínio lógico – o cara devia estar infernizando muito a vida desta mulher, quase se fudeu.

Passado o susto inicial com a originalidade do fato, Alice concluiu que, se ela fosse a tal mulher, daria logo um tiro no elemento; ou melhor, contrataria um matador de aluguel. Para Alice, seria mais difícil sentir aquela língua asquerosa (supõe-se que a mulher da notícia tivesse horror da vítima) dentro dela do que dar cabo da vida sujeito.

Alice acha que a mulher da notícia gostava de dar para aquele homem que, agora ela ela odiava, mas, provavelmente, um dia já tinha amado. A conhecida dualidade levada ao extremo; Eros e Thanatos em ação; mais uma forma de usar o sexo para matar foi lançada. Tomara que ninguém invente de copiar.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Sincericídio


Depois de anos lutando contra a baixa autoestima, Carla vive um momento egotrip total; ela se acha ótima mãe, ótima irmã, ótima tia, ótima amiga, ótima patroa, ótima profissional. Como ela tem por base o senso comum, este ótimo não é tão ótimo assim. É que as referências, realmente, têm pouca ou nenhuma qualidade.

Carla nota que faltou ótima mulher na lista das suas virtudes. No fundo, ela também se acha uma ótima mulher mas, ela precisa admitir, há controvérsias. Melhor deixar fora da lista, que já está de bom tamanho. Boa profissional, talvez, também seja questionável se agüentar desaforo for um requisito.

Enquanto a autoestima de Carla se encontra acima da média, diminuiu sua paciência com os defeitos da humanidade. É como se tivesse esgotado sua cota de sapos engolidos, egípcias e representações. Mesmo dura, e às vezes estranha, Carla gostaria de exercitar mais a verdade.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Irrelevâncias


Vivian achava que a Liz Taylor nunca ia morrer e isto, de certa forma, dava alguma esperança de eternidade, mas hoje isto se desfez mais uma vez e mais uma vez ela se dá conta de como tudo é irrelevante diante do fim.

Ela teve um dia arrastado, onde precisou tirar energia não sabe de onde para deixar o mínimo possível pra amanhã. Por que não deixar pra depois? Porque depois as coisas se acumulam. Azar. Aí vira um caos. Aperta o botão do foda-se. O problema é que, quando opta por esta solução, geralmente a única pessoa que se fode é a própria Vivian.

Vivian tem uma vida legal, mas regrada por obrigações que ela gostaria de se desincumbir. Se fosse uma pessoa mais livre, Vivian tem certeza que seria mais feliz. Ter que passar 12 horas diárias fora de casa, seja trabalhando, no trânsito, na academia, no super, pagando contas, pra ela é algo cada vez mais sem sentido se ela pensar naquilo que ela gosta de fazer.

Agora, por exemplo, Vivian pensa, inconformada, que ainda precisa escovar os dentes, lavar o rosto e passar o kit noturno de cremes anti-rugas. Seria bem mais fácil se atirar em algum espaço da cama e dormir mas, uma falha no seu espírito anárquico, ela gosta de tirar 10 com estrelinha no final do dia.

sábado, 12 de março de 2011

Sábado à noite


Vendo minha norinha e suas amigas falando com verdadeira aversão dos pelos e cabelos dos guris, pergunto ingenuamente:

- Vocês não gostam de homem cabeludo?

Meu filho responde antes delas:

- Luciane, nem todo mundo foi jovem nos anos 70.

Elas também me explicam porque não gostam da barba e do cavanhaque de um determinado cara:

- A barba parece uma virilha e o cavanhaque uma vagina...

Do alto da minha experiência, confesso que nunca tinha visto alguém relacionar um dos principais símbolos masculinos com partes íntimas femininas, mas o que me intriga é que quando eu penso em barba, cavanhaque, virilha e vagina, eu só consigo imaginar coisa boa. Vai ver eu tô ficando uma senhora assanhada.

terça-feira, 8 de março de 2011

Histórias de carnaval



Érica sabe que seu sentimento não é dos mais nobres, mas ela gostaria de espalhar para o mundo inteiro o que Fábio disse de Márcia, uma das suas ex-namoradas:

- A trepada não é tudo isto

Se ela não tivesse ouvido do próprio Fábio, Érica não acreditaria que ele tinha exposto a guria desta forma. Não é do feitio de Fábio falar mal de ex-namoradas; pelo contrário, ele dá a entender que gosta de todas, ainda transa com algumas e todas são super legais. Mas a Márcia ele não perdoou. Esta, para ele, é louca de atar e ruim de cama.

____________________


Érica também é louca – daquelas que atar é insuficiente para conter - mas o sexo com Fábio ela coloca na categoria daquelas coisas inexplicáveis da vida, a cada transa ela se sente a pessoa mais especial do mundo, aquela que foi compensada pelo privilégio de desfrutar o encontro da combinação perfeita.

Assim foi o carnaval; sexo em meio a garrafas de champanhe, frutas da estação e chocolates. Parece mentira, mas eu tenho certeza de que a Érica está falando a verdade. Talvez exagerando um pouco, não são garrafas, mas taças, as frutas foram um pêssego e um punhado de uvas e um bis na segunda e um batom na terça mataram sua vontade de comer chocolate. Mas nenhum exagero será suficiente se ela resolver contar o que rolou.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Tempo


Ela não sabe se é a idade – é provável que seja, afinal perto dos 50 as pessoas costumam dizer que já estão jogando o segundo tempo, a metade final, mas o fato é que ela tem pensado muito nas escolhas que precisou fazer na vida e em como as - poucas/muitas/como medir isto? – opções erradas atrapalharam lá na frente, quando não dava pra mudar mais nada.

Ela sempre achou isto uma injustiça, fazer uma merda que vai ser decisiva logo ali adiante e não poder voltar atrás; ter que carregar este (s) esqueleto (s) o resto da vida, pensando que, se tivesse seguido outro caminho, tudo seria diferente. É uma pena que o se não existe; o tempo não tem marcha à ré.

Só que às vezes o imprevisível acontece e a gente recebe uma espécie de indulto por ter sido uma completa idiota. No início, ela não estava acreditando muito naquilo, achou que era mais uma pegadinha da vida de quem já se considerou a criança mais infeliz do mundo e que se acostumou a provocar abandonos para não ter que ser surpreendida por eles. Se desta vez o amor vai se distanciar da dor, só o tempo dirá. Mas ela gosta de pensar que, agora, não vai se arrepender depois.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Só as clássicas


Ela sabia que o caso era terminal, estava preparada, mas tinha esperança que acontecesse um milagre, que a justiça do merecimento, desta vez, fosse mais forte. Mas tudo aconteceu conforme o previsto e ela perdeu.

Minha amiga, coitada, vive fazendo diagnósticos sem noção da realidade; está sempre acreditando no impossível. Agora, me contando isto, ela associa esta mania à doença da mãe, que morreu quando ela tinha oito anos. Ela sabia que a mãe não ia resistir a um câncer, mas confiava que no final elas conseguiriam enganar a morte. Na verdade, quem ia salvar a mãe era a minha amiga. Um caso clássico da megalomania infantil.

Os anos passaram, a megalomania foi substituída por uma leve bipolaridade entre a euforia e a depressão, mas esta característica continua lá, intacta; minha amiga achando que vai salvar alguma coisa, até mesmo a humanidade. Talvez um clássico caso de demência senil.

Eu juro que gostaria de chamar este post de Pequeno Ensaio sobre a Cegueira, mas acho que aí seria um caso clássico de...o quê mesmo? Esquizofrenia juvenil, deve ser este o problema.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Diálogos


Mãe – Sai desta cama, o Mubarak caiu, a revolução tá nas ruas
Filho – A revolução vai ser televisionada
Mãe fica sem resposta

Mãe – Porra, tu tomou toda a minha cerveja!
Filho – Tu tá abrindo um precedente para instaurar a propriedade privada nesta casa?
Mãe fica sem resposta

Amigo de filho, ao entrar pela primeira vez na casa do pai do guri e se deparar com centenas de livros
- Teu pai é comunista?
Outro amigo, diante de um altar caseiro, no meio da biblioteca, com velas, imagens de orixás, fotos da família e outras lembranças que o dono da casa considera sacras
- E reza...
Filho fica sem resposta

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Exercícios


Sábado de descansar a cabeça e o corpo, Adriana não fez absolutamente nada além do básico dormir, comer e ler. O calor impossibilitou todo o resto. Domingo ela pretende combater a prostração.

Na TV, tá rolando o primeiro Grand Slam da temporada, o Aberto da Austrália. Ela gosta de tênis desde antes do fenômeno Guga, lembra dos jogos do Bjorn Borg, dele erguendo taças em Wimbledon, e, principalmente, daquela bandana branca na cabeça. Ele deve ter sido um dos primeiros símbolos sexuais da vida de Adriana, que achava o sueco parecido com o irmão, sua grande referência masculina na infância.

Adriana também jogava tênis com o filho e o ex-marido, este também um aficionado pelo esporte, desde que os jogos sejam femininos e, de preferência, com a Sharapova. Ela nunca conseguiu ganhar de nenhum dos dois, mas aquele saiote sempre garantia novos jogos mais tarde.

Além do exibicionismo do bem de suas pernas, o tênis lhe rendeu uma lesão no ombro, um pouco de cultura inútil, acrescentou mais uns dois ou três nomes à sua lista de desejos platônicos e desafiou sua falta método. O foco é tudo, dizem ganhadores, perdedores, espectadores e aqueles que não se enquadram em nenhuma destas categorias. Tá na hora de exercitar.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Onda zen



Depois da onda pesada, a onda zen. Hoje, esta frase não saiu da cabeça de Flávia. Há um ano, bem por esta época, minha amiga estava prestes a enfrentar um terremoto existencial grau 11 na escala Richter. Não restou pedra sob pedra, mas Flávia sobreviveu sem precisar abrir mão daquilo que, para ela, é essencial. Foi bom passar pela dor com dignidade. A dor mostrando algo de bom, a enxergar no escuro. Avante!

sábado, 22 de janeiro de 2011

Desde o fim até o começo



Ele não estava preparado para e verdade, ela para a mentira. As consequências desta diferença eram visíveis (pelo menos pra ela) no comportamento dela. Mas Laura não quer escrever sobre isto. Ela tem medo de escolher as palavras erradas e ser mal interpretada. E ela não quer ser interpretada, ainda mais mal interpretada.

Pra disfarçar, Laura relê umas coisas antigas que escreveu antes de reencontrar Matias e uma certa angústia voltar a fazer parte da sua vida. Laura não quer pensar nisto; acha que sentir angústia e não sentir angústia são sensações normais da vida. Liga a TV, acende um cigarro, cogita abrir uma cerveja, conferir o facebook, anunciar que está de volta no twitter, publicar fotos, ver fotos antes de publicá-las...

Justiça seja feita, Matias tem feito de Laura a mulher mais feliz do mundo, apesar de Laura não acreditar em felicidade. Depois de um baseado, ela amolece e concede; afinal, o amor não é tão ruim assim.